Depois de cinco dias operando feridos da guerra da Palestina na Faixa de Gaza, o cirurgião plástico Zulmar Antonio Accioli de Vasconcellos, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica de Santa Catarina (SBCP-SC), desembarcou em Florianópolis. Esta foi a sua sétima viagem ao Oriente Médio como integrante de organizações que prestam apoio humanitário na região. Desta vez, a ação foi coordenada pelo Consulado da França em Jerusalém.
Zulmar Antonio Accioli de Vasconcellos
A aventura do brasileiro, único sul-americano na missão, começou na manhã de 25 de fevereiro, quando partiu para São Paulo. De lá, embarcou rumo a Paris, onde chegou no dia seguinte, sendo hóspede do amigo e cirurgião Christophe Oberlin, organizador do grupo de médicos humanitários. Vasconcellos aproveitou sua passagem pela capital francesa para ministrar aula prática de cirurgia reconstrutiva como professor convidado da Universidade René Descartes – Paris V, a mesma em que cursou doutorado em medicina. Na ocasião, também participou de uma cirurgia de um paciente com paralisia, na clínica Marcadet.
Com exceção do brasileiro e dos franceses, esta era a primeira vez que eles participavam de uma ação humanitária naquele lugar do planeta.
Estavam próximos ao Mar Mediterrâneo. Na localidade de Eretz, o grupo passaria por uma entrada nova para chegar ao território palestino.
A fronteira
Apenas três integrantes foram autorizados a atravessar, enquanto o brasileiro e mais seis colegas tiveram que aguardar a permissão em pé, sob chuva, sem banheiro, até por volta das 18h00. Foi neste momento que soou o alarme antiaéreo e um míssil Kassan disparado pelos palestinos cortou o céu em direção à cidade israelense de Ashkelon, atingindo uma escola, por sorte vazia. Todos foram orientados a se abaixar e sentar no chão molhado, de tão próximo que era o local. Dali, foi possível ouvir a explosão e ver a fumaça. Uma equipe de TV da rede Skynet Express, que voltava para Israel, entrevistou o grupo sobre aquela desagradável condição de espera.
O chefe de gabinete do chanceler francês telefonou ao Quai d’Orsay – equivalente ao Itamaraty no Brasil – e um diplomata de plantão garantiu a entrada do restante do grupo, após discutir o assunto com o embaixador de Israel em Paris e com o embaixador da França em Jerusalém. À noite, ainda em trânsito, os humanitários receberam a notícia de que todos passariam.
Chegada à Gaza
Chegada à Gaza do médico Zulmar.
O catarinense e seus colegas foram levados ao hospital Al Shifa (A Cura), onde ele já havia atuado em missões anteriores. As paredes externas estavam alvejadas por tiros de metralhadora e, no estacionamento em frente, acomodavam-se os restos retorcidos de uma ambulância destruída por um míssil, durante a onda de conflitos que ocorreu entre dezembro de 2008 e janeiro deste ano. Lá, reencontrou médicos que ajudou a formar com aulas práticas e teóricas e ex-pacientes restabelecidos de cirurgias realizadas na última visita. Cerca de 100 pessoas, não só os feridos de guerra, mas vítimas de todo tipo de doença, os aguardavam. Antes, porém, ouviram as boas-vindas e o discurso pró-Hamas do diretor do hospital.
Durante cinco dias, da manhã ao anoitecer, o cirurgião plástico atendeu entre 50 e 60 pacientes, tendo operado quatro crianças, um adulto e um idoso, nenhum militar. E, nos intervalos das cirurgias, recebia mais gente para consulta.
Balanço
O cirurgião plástico catarinense e o coordenador da missão assinaram o relatório entregue ao Consulado da França, contentes com o resultado. Consideraram um sucesso, ainda mais se comparada ao desempenho do grupo que seguiu para Khan Yunes. A interferência dos militares era tamanha que não se conseguiu atender um número maior de pacientes.
Vasconcellos não tem a intenção de voltar a integrar ações voluntárias na região, “pela politização das missões, que são pró-Palestina. Não se pode misturar lado humanitário e lado político. Isso atrapalhou, poderíamos ter operado mais se tivéssemos entrado antes”, diz. Por outro lado, “já há sete médicos formados por nós e nove estão em formação. O que, com o tempo, vai diminuir a necessidade da presença estrangeira”, completa.
O recrudescimento dos ataques gera grande e rápida demanda nos hospitais. Há falta de gente para atender tantos pacientes e as equipes disponíveis não são suficientemente preparadas – daí a urgência de se formar ações humanitárias. Os estrangeiros encontram equipamentos sucateados, em sua maioria doações de outros países, porém uma melhor receptividade por parte dos profissionais locais. Cientes da rica colaboração dos visitantes, boa parte dos médicos palestinos radicalizou-se contra ou a favor do domínio extremista do Hamas.
O medo do futuro incerto é maior que o alento .
O medo do futuro incerto é maior que o alento de US$ 4,48 bilhões doados por 70 países, inclusive o Brasil, para reerguer a Faixa de Gaza. A reconstrução pode ruir-se novamente, a qualquer momento, ameaçada pelo menor atrito provocado pelo ódio étnico.
Marcos Reichardt Cardoso
jornalismo – assessoria de imprensa